quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

A economia da atenção e as narrativas da trivialidade dos sujeitos culturais em rede





                                 Figura 1 -
                                 Fonte: SCHERER, Eric.


A constatação de que vivemos sob a égide da “economia da atenção”, soa razoável nesse final de 2009.

Em um balanço restrospectivo percebe-se o balé aturdino entre as trivalidades dos sujeitos culturais, conforme assinala Jeanneret, e a luta incessante da economia da atenção, que, sob uma feição sociabilizante, nivela tudo pela reputação e a popularidade em rede.

A trivialidade, do latim trivialis tem o sentido de comum e de interseção (carrefour). Nesse contexto, os sujeitos culturais são as idéias e objetos produzidos e perenizados pela humanidade através dos saberes, valores morais, concepções políticas, experiências estéticas, patrimônio dentre outros.

A atenção, em nosso contexto de análise, resulta da articulação entre tempo de exposição, audição e uso concedida por alguém à um produto ou serviço.

Representativos de pontos de vista distintos, a trivialidade e a economia da atenção atuam na arena da propagação. Nesses termos, a trivialidade é o locus e o objeto da economia da atenção, afinal é necessário metamorfosear-se em trivial para obter escala econômica.

Para Jeanneret a trivialidade tem função prática e simbólica. Assim, a lisibilidade, a perenidade e a acessibilidade às representações do trivial são garantidos pelo seu uso prático e pela atualização que a adoção social permite.

O autor assinala, de acordo com Madelon que “o exercício de uma liberdade de agir, não sobre o outro nem em relação com ele, mas sobre a mimesis comunicacional portada pelos objetos do complexo mídia/texto, será, penso eu, um dos motores essenciais da trivialidade” e por que não dizer, da economia da atenção.

A economia da atenção se vale fundamentamente de objetos intangíveis e opera no contexto digital a partir dos seguintes valores: imediaticidade e facilidade de acesso, personalização, interpretação,autenticidade,pagamento eletrônico.

De acordo com Couve, no contexto de concorrência pela atenção do consumidor virtual alguns elementos podem contribuir na captação da atenção. São eles : a historicidade, a confiança, a personalização e a forma de transmissão da informação.

A economia da atenção basea-se na interação entre os usuários, na publicidade em rede organizadas em plataformas colaborativas e integradas e na formação de comunidades de nicho.

As ferramentas colaborativas, produzidas no contexto da web 2.0, ampliaram significativamente a gestão da informação com propósitos econômicos na medida em que o cotidiano dos usuários de internet foi penetrado pela pertinência de seus apelos. Tal pertinência é regulada pela pemissão de acesso a seus perfis qualificados facilitando a estruturação e regulação da oferta de bens e serviços culturais digitais.

Nessa estrutura, consumidor paga pelo uso dos serviços de valor adicionado disponiveis na web com o tempo que passam diante dos conteúdos digitais propostos, um tipo de atenção absolutamente disputada pelos anunciantes, assinala David Eun citado por Couve (2008).

Nesse contexto de transformações Jeanneret alerta que as Ciências sociais não têm se questionado como os objetos culturais se transformam e atravessam os espaços sociais. Assinala ainda que é preciso articular três dimensões de circulação e vulgarização da cultura: logistica, social, poética. Para o referido autor, a vulgarização tem feições de criação ou reinvenção. Deste modo, os meios técnicos impõem uma transformação ao substrato simbólico.

Orientada fundamentalmente aos sujeitos « multi-tasking », capazes de realizar e dar atenção a distintos estímulos ao mesmo tempo, a economia da atenção engendra uma transformação cultural do consumo na medida em que propõe transformações na leitura das formas organizadas dos objetos materiais e modula a atenção que os sujeitos ofertam a tais mediações. Assim, o mercado do consumo eletrônico, ao propor ao consumidor em rede a substituição de antigas “trivialidades”, se digladia em infinitas atualizações do “ne me quitte pas”.

Resta saber que narrativas serão inscritas e depreendidas desse contexto em que o trivial tornou-se central e onde, tanto os traços do percurso informacional digital, quanto a capacidade múltipla de o consumidor ofertar atenção tornaram-se marcas culturais do nosso tempo.


REFERÊNCIAS:

COUVE, Philippe. L’economie de l’attention: introduction à la culture numérique. Disponível em: http://www.slideshare.net/phcouve/lconomie-de-lattention-presentation. Acesso em 23/12/2009.

GOLDHABER, Michael H. The Attention Economy and the Net . First Monday, Volume 2, Number 4 - 7 April 1997.

JEANNERET, Yves. La culture de la trivialité. Disponible sur: http://www.archivesaudiovisuelles.fr/FR/_video.asp?id=397&ress=1350&video=103223&format=68#3823. ( consulté le 23/12/2009)

MADELON, Véronique. Yves Jeanneret, Penser la trivialité. Volume 1 : la vie triviale des êtres culturels, Paris, éditions Hermès-Lavoisier, 2008. Nouveaux Actes Sémiotiques [ en ligne ]. Comptes rendus, 2009.Disponible sur : http://revues.unilim.fr/nas/document.php?id=2773 (consulté le 22/12/2009)

SCHERER, Eric. L’economie de l’attention. Paris: AFP, 2008. 146 p. disponível em: http://mediawatch.afp.com/public/AFP-MediaWatch_Printemps-Ete_2008.pdf

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Os donos da história ou o storytelling dos outros




Venho há algum tempo pensando a quem pertencem os dados das pesquisas que recolhemos nas pesquisas sociais. Suamos, espreitamos, entrevistamos e depois?

Vejo sempre muito alarde em relação aos bancos de sêmen, células tronco, produtos que coloquem em risco a vida. Mas discursos, idéias, práticas sociais, ninguém nem se abala em proteger.

Hoje vieram me pedir autorização de cessão para "Deus e todo mundo" de uma fala que proferi em evento científico público.
Então pensei: - se falei em público, é publico.
Mas depois matutei:  - Se já falei e foi assim, tão público, porque tenho que autorizar a privatização da minha fala para se fazer sabe o que lá? .

Vou também hoje à noite para o lançamento de um livro no qual sou sujeito-objeto, ou melhor, objeto-sujeito. Dei um depoimento sobre as minhas memórias no reino acadêmico, tipo: penúrias, lágrimas e lerês.
Fui convidada, afinal não organizo a obra, mas minha história integra a obra, ou seja, se não tivesse depoimento não tinha obra nem organização, não é mesmo?
Acho que agora a história já não é mais minha porque foi tratada, organizada e editada em livro com capa e ISBN.
Fiquei querendo convidar "Deus e todo mundo" para comemorar comigo a difusão de uma história do qual muito me orgulha. Na dúvida, convidei porque adoro festa.
Pode ser até que eu esteja enganada, mas fiquei sem o menor conforto no enquadramento do meu storytelling.
Ser sujeito da pesquisa em tempos globais não tem o muito glamour e dá medo também!
Também virou hábito as pessoas virem conversar com você munidos de um MP treco ou gravador. Desculpa recorrente: ou eu presto atenção à sua fala ou eu escrevo. Nunca mais te devolvem na forma de transcrição ou de áudio ou vídeo a sua fala aprisionada nos instrumentos intrusivos modernos. Que o digam os maus políticos da turma do Arruda que nem podem agradecer impunes à Deus ao dinheiro recebido da propina. Com certeza vai sair no Youtube e vai nutrir o falatório paralisante da militância de bavardage (ótima terapia, mas...).
O susto maior é quando tu vês o sua fala enquadrada e apropriadamente incorporada ao discurso privatizado do outro. Dá um desânimo o fato de não podermos nem mesmo pensar alto.
Dá medo só de pensar que a ciência 2.0 vai se edificando em tromperies e apropriações indébitas.
Como gosto do meu cachorro!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A parceria acadêmica e a justiça comum



Causou-me certo espanto  uma notícia recente da condenação de professor-orientador por plágio a trabalho científico de doutorando em Porto Alegre nesse fim de ano.
Em que pesem os os argumentos de parte a parte e o poder do argent que governa todas essas embaraçosas situações,  o mal estar que fica é o lugar em que  metemos a produção e o debate científico - o lugar comum da propriedade civil  privada.
O argumento central escrito nos termos abaixo põem à pensar, senão vejamos:
§ 1ºNão se considera co-autor quem simplesmente auxiliou o autor na produção da obra literária, artística ou científica, revendo-a, atualizando-a, bem como fiscalizando ou dirigindo sua edição ou apresentação por qualquer meio.
Fiquei meio atônita ao constatar que o movimento que me trouxe à pesquisa científica foi, em certa medida, a admiração ao trabalho do mestre e a possbilidade do aprendizado e da parceria acadêmica. Isso me moveu desde sempre. E o que vejo acontecer em tempos outros: Me quedo em nostagia.
Me lembro da Aula do Barthes,  quando de sua entrada no Colégio de França:
" O professor não tem aqui outra atividade senão a de pesquisar e de falar - eu diria prazerosamente de sonhar alto sua pesquisa - não de julgar, de escolher, de promover, de sujeitar-se a um saber dirigido: privilégio, quase ijusto, num momento que o ensino de letras está dilacerado até o cansaõ, entre as pressões da demanda tecnocrática e o desejo revolucionário de seus estudantes. Sem dúvida ensinar, flar simpelsmente, fora de toda a sanção institucional, não constitui uma atividade que seja, por direito pura de qualquer poder: o poder( alibido dominandi) aí está, esmboscado em todo e qualquer discurso, mesmo quando este parte de um lugar fora do poder." ( Barthes, 1978: p. 9-10)

Em tempos de jeito Capes de ser  a Ciência virou coisa de justiça e de propriedade privada que se desenvolve em Institutos públicos.
Me causou espanto também o fato de o orientador ser tido e havido como aquele que SIM-PLES-MEN-TE auxiliou o pesquisador na realização de seu trabalho.
Tornar todos os profissionais do conhecimento ( inclua-se aí mestres, orientadores, companheiros de estrada) potenciais pilhantes formados  na Sorbonne ou na USP, põe em suspeição a razão de nosso fazer científico.
O que deve ficar dessa convivência: a parceria, os royalties, o glamour (numa reprodução de que conhecimento eu não quero, eu quero mesmo é o glamour), ou as famigeradas patentes?
Cada dia que passa, tomo  conecimento de defesas públicas fechadas e dos textos acadêmicos para " inglês ver" em virtude de  restrições contratuais do " patrocinador".
É como se de repente a Universidade começasse a vender pastel de vento, que já não e vende, nem mesmo, na Avenida Paraná. Cadê o recheio? Foi patenteado.

A pesquisa que a Léticia e  eu  realizamos e entregamos hoje à  Sociedade tenta romper com esse embróglio e restituir algo que nos parece essencial: compreeender  a história das coisas, fazer Ciência para além dos dos acontecimentos capturáveis nas nuvens de tags da ciência proprietária Ou,  melhor dizendo, torná-la um acontecimento que dialoga com o curso do campo científico no qual nos inscrevemos.  Nos termos de Barthes,  ajuntar saber e sabor que etimologicamente no latim vem da mesma origem .
Continuo respondendo à minha indignação com ciência e pesquisa que, mesmo não sendo induzida tem dado respostas que nos fazem pensar...
Não sei onde vamos parar com a Ciência 2.0, global e proprietária, mas o que é certo é que o lugar de onde falamos nos dá serenidade afinal, ainda, e espero mesmo que nunca, colocamos no conhecimento que produzimos a placa de vende-se ou aluga-se.
Acredito(amos) como Barthes que:
" Há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em seguida outra, em que se ensina o que não se sabe: isso se chama pesquisa. Vem talvez agora a idade de uma outra experiência, a de desaprender, de deixar trabalhar o remanejamento imprevisível que o esquecimento impõe à sedimentação dos saberes, das culturas, das crenças que atravessamos. Essa experiência tem, creio eu, um nome ilustre e que fora de moda, que ousarei tomar aqui sem complexo, na própria encruzilhada de sua etimologia: Sapientia: nehum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor possível. " ( Barthes, 1978: p.47)